domingo, 3 de abril de 2011










QUEIXAS,  RANCOR  E  RESSENTIMENTOS
Eckhart Tolle


Queixar-se é uma das estratégias prediletas do ego para se fortalecer.

Cada reclamação é uma pequena história que a mente cria e na qual acreditamos inteiramente. Não importa se ela é feita em voz alta ou apenas em pensamento. Alguns egos que talvez não tenham muito mais com o que se identificar sobrevivem apenas com queixas. Quando estamos presos a um ego assim, reclamar, sobretudo de alguém, é algo habitual e, é claro, inconsciente, o que mostra que não sabemos o que estamos fazendo.
Uma atitude típica desse padrão é aplicar rótulos mentais negativos às pessoas, seja na frente delas ou, como é mais comum, falando sobre elas com alguém ou até mesmo apenas pensando nelas. Xingar é o modo mais rude de atribuir esses rótulos e de mostrar a necessidade que o ego tem de estar certo e triunfar sobre os outros: "idiota", "desgraçado", "prostituta", “etc”, todas essas afirmações definitivas contra as quais não se pode argumentar.
No nível seguinte, descendo pela escala da inconsciência, estão os gritos.
Não muito abaixo disso se encontra a violência física.

O ressentimento é a emoção que acompanha a queixa e a rotulagem mental dos outros. Ele acrescenta ainda mais energia ao ego. Ressentir-se significa ficar magoado, melindrado ou ofendido. Costumamos nos sentir assim em relação à cobiça das pessoas, à sua desonestidade, à sua falta de integridade, ao que estão fazendo no presente, ao que fizeram no passado, ao que disseram, ao que deixaram de dizer, à atitude que deviam ou não ter tomado. O ego adora isso.

Em vez de detectarmos a inconsciência nos outros, nós a transformamos em sua identidade. Quem é o responsável por isso? Nossa própria inconsciência, o ego em nós. Algumas vezes, a "falta" que apontamos em alguém nem mesmo existe. Ela pode ser um erro total de interpretação, uma projeção feita por uma mente condicionada a ver inimigos e a se considerar sempre certa ou superior.

Em outras ocasiões, a falta pode ter ocorrido; contudo, se nos concentrarmos nela, às vezes excluindo todo o resto, nós a tornamos maior do que ela realmente é. E dessa maneira fortalecemos em nós mesmos aquilo a que reagimos no outro, o ego.

Não reagir ao ego das pessoas é uma das maneiras mais eficazes de não só superarmos nosso próprio ego como também de dissolver o ego humano coletivo.

No entanto, só conseguimos nos abster de reagir quando somos capazes de reconhecer o comportamento de alguém como originário do ego, como uma expressão do distúrbio coletivo da espécie humana insana. Quando compreendemos que não se trata de nada pessoal, a compulsão para reagir desaparece.

Não reagindo ao ego, muitas vezes podemos fazer aflorar a sanidade nos outros, que é a consciência não condicionada em oposição à consciência condicionada. Em determinadas ocasiões, talvez precisemos tomar providências práticas para nos proteger de pessoas profundamente inconscientes. Isso é algo que temos condições de fazer sem torná-las nossas inimigas.

Nossa maior defesa, contudo, é sermos conscientes Aqui e Agora.

Alguém passa a ser um inimigo quando personalizamos a inconsciência dele que é o ego. A não-reação não é fraqueza, mas força. Outra palavra para não-reação é perdão. Perdoar é ver além, ou melhor, é enxergar através de algo. E ver, através do ego, a sanidade que há em cada ser humano como sua essência.

O ego adora reclamar e se ressente não só de pessoas como de situações.

O que podemos fazer com alguém também conseguimos fazer com uma circunstância: transformá-la num inimigo. Os pontos implícitos são sempre os mesmos: “isso não deveria estar acontecendo”, “não quero estar aqui”, “estou agindo contra minha vontade”, “o tratamento que estou recebendo é injusto”, “etc”. E, é claro, o maior inimigo do ego acima de tudo isso é o momento presente, ou seja, a vida em si, o AGORA.

Não confunda a queixa com a atitude de informar alguém de uma falha ou de uma deficiência para que elas possam ser sanadas. Além disso, abster-se de reclamar não corresponde necessariamente a tolerar algo de má qualidade nem um mau comportamento.

Não há interferência do ego quando dizemos ao garçom que a comida está fria e precisa ser aquecida - desde que nos atenhamos aos fatos, que são sempre neutros.

"Como você se atreve a me servir uma sopa fria?"
Isso é se queixar, isso é ego.

Nessa situação, existe um "eu" que adora se sentir pessoalmente ofendido pela comida fria e ele aproveitará esse fato ao máximo, um "eu" que aprecia apontar o erro de alguém. A reclamação a que me refiro está a serviço do ego, e não da mudança. Algumas vezes fica óbvio que o ego não deseja que algo se modifique para que possa continuar se queixando e continuar existindo.

Veja se você consegue capturar, ou melhor, perceber, a voz na sua cabeça - talvez no exato instante em que ela esteja reclamando de algo - e reconhecê-la pelo que ela é: a voz do ego, não mais do que um padrão mental condicionado, um pensamento.

Sempre que a observar, compreenderá que você não é ela, e sim aquele que tem consciência dela.

Na verdade, você é a consciência que está consciente da voz.
Atrás, em segundo plano, está a consciência.
À frente, se situa a voz, aquele que pensa, o ego.
Dessa maneira você estará se libertando do ego, livrando-se da mente não observada.

No momento em que você se tornar consciente do ego, a rigor ele não será mais o ego, e sim um velho padrão mental condicionado.

O ego implica inconsciência.
Ele e a consciência não conseguem coexistir.

O velho padrão mental, ou hábito mental, pode sobreviver e se manifestar por mais um tempo porque tem o impulso de milhares de anos de inconsciência humana coletiva atrás de si. No entanto, toda vez que é reconhecido, ele se enfraquece.

Só a prática da auto-observação consciente (também chamada de “auto-crítica”) leva ao despertar da consciência e conseqüentemente com a eliminação do ego.

(para quem realmente quiser acordar e se libertar da ilusão!!!)
A  ATITUDE  REATIVA  E   O   RANCOR

Embora o ressentimento costume ser a emoção que acompanha a queixa, ele também pode vir junto com uma emoção forte, como a raiva ou outra forma de contrariedade. Dessa maneira, torna-se mais carregado energeticamente. A reclamação então se transforma numa atitude reativa, outra maneira que o ego encontra de se fortalecer.

Existem muitas pessoas que estão sempre esperando pela próxima coisa contra a qual reagir para que possam se sentir irritadas ou perturbadas - e nunca demora muito até que encontrem o que procuram. "Isso é um insulto", "Como você ousa...", "Estou profundamente magoado com isso...", “Não esperava isso  de você...”   -   é o que costumam dizer.
Elas são viciadas em se aborrecer e se encolerizar, enquanto os outros funcionam como uma espécie de droga. Pela reação a isso ou àquilo, afirmam e intensificam sua percepção do eu.

Um ressentimento antigo é chamado de rancor. Carregar um sentimento desse tipo é estar permanentemente no estado "contra", e é por isso que o rancor constitui uma parte significativa do ego de muita gente. Quando coletivo, ele pode sobreviver por séculos na psique de um país ou de uma tribo e alimentar um ciclo interminável de violência.

Um rancor é uma forte emoção negativa ligada a um acontecimento ocorrido no passado, algumas vezes distante, que é mantido vivo pelo pensamento compulsivo que reconta a história, na cabeça ou em voz alta, "do que alguém me fez" ou "do que alguém nos fez". Esse sentimento também é capaz de contaminar outras áreas da vida.
Por exemplo, enquanto pensamos sobre o rancor e o sentimos, sua energia emocional nefasta pode distorcer nossa percepção de um acontecimento que está ocorrendo naquele momento ou influenciar a maneira como falamos com alguém no presente ou nosso comportamento em relação a essa pessoa. Um rancor profundo é suficiente para afetar vários aspectos da vida e nos manter nas garras do ego.

É preciso honestidade para verificarmos se ainda guardamos rancores, se existe alguém na nossa vida que não conseguimos perdoar completamente, um "inimigo". Caso você esteja nessa situação, tome consciência do rancor tanto no nível do pensamento quanto no nível emocional, ou seja, conscientize-se dos pensamentos que mantêm a continuidade desse sentimento negativo e sinta a emoção, que é a reação do corpo a esses pensamentos. Não tente deixar o rancor de lado. Tentar perdoar sem compreender não dará certo.

O perdão acontece de modo natural quando compreendemos que o rancor não tem outro propósito a não ser fortalecer uma falsa percepção do eu, ou seja, possibilitar a existência do ego e continuar alimentando-o. Compreender é libertar-se. O Ensinamento de Jesus sobre "perdoar os inimigos" trata, em essência, de desfazer uma das principais estruturas egóicas da mente humana.

O passado não tem força para nos impedir de viver no estado de presença agora. Apenas o rancor em relação ao passado pode fazer isso. E o que é o rancor? A bagagem de velhos pensamentos e antigas emoções. Chegou o tempo de abandonar este fardo, antes que seja  tarde demais...

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